domingo, 3 de abril de 2011

A obrigatoriedade da 'Voz do Brasil'

Qual é a diferença entre a rede pública, estatal e comercial? Parece claro que a rede comercial de comunicação tem por objetivo o lucro. Mas e a diferença entre público e estatal?

Tentar achar essa distinção é coisa de brasileiro. Na verdade, por definição, tudo que é estatal é público, e por isso não deveria haver diferença entre público e estatal. Acontece que no Brasil entendemos a rede estatal como sendo dirigida e controlada pelo governo, de chapa branca. Já a rede pública seria controlada pela sociedade. Em suma, a rede estatal serviria aos interesses do governo – ou do governante – e a rede pública serviria aos interesses do cidadão.

Falo isso porque na última aula a gente fugiu do tema proposto pra cair em outro muito interessante: a obrigatoriedade da Voz do Brasil.

A Voz do Brasil surgiu durante a ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas, em 1935. A partir de então, todas as emissoras do país deveriam retransmitir o programa, que é a mais antiga atração do rádio brasileiro a se manter no ar sem interrupções.

No argumento de alguns a favor da obrigatoriedade da ‘Voz’ está o fato de que o noticiário oficial seria fundamental nos rincões do Brasil, um país-continente. Seria uma forma de democratizar a informação a todos os cidadãos. Porém, o texto falado pelo programa é inacessível ao brasileiro médio, principalmente àqueles habitantes do interior.

Em 1935, quando a 'Voz' do Brasil foi criada, ainda havia razão de o programa ser transmitido às 19 horas. Naquela época não havia televisores e as famílias se reuniam ao redor do rádio para se entreter, como nós fazemos hoje com o Jornal Nacional. Há muito tempo o horário nobre do rádio deixou de ser 19 horas, não faz mais sentido essa obrigação.

Para Eugênio Bucci, jornalista, professor da USP e ex-presidente da extinta Radiobrás, o verdadeiro motivo para o governo ainda ser a favor da obrigatoriedade de transmissão da Voz é que “a maioria dos parlamentares, da Câmara e do Senado, gosta de aparecer no noticiário chapa branca de suas respectivas casas legislativas. Acreditam que A Voz do Brasil é uma boa promoção pessoal e, melhor ainda, sem custo (para eles)”. Para não brigar com suas bases parlamentares o Governo deixaria tudo como está.

Para Bucci, “a convicção brasileira é de que a comunicação pública é sempre, de modo disfarçado ou mais escancarado, um modo de martelar doutrinas e opiniões sobre a consciência dos cidadãos”. O jornalista ainda completa categoricamente: “a comunicação pública nada mais é do que propaganda política.”

O cidadão tem o direito constitucional à informação, em vez disso, ao ser obrigatória, a Voz chega ao ouvinte com sua credibilidade corroída. Para Eugênio Bucci, o programa poderia despertar um interesse legítimo tanto em ouvintes quanto as emissoras se estivesse livre desse caráter compulsório. Mais, “poderia disputar a audiência em termos saudáveis e fazer diferença pela substância das reportagens que fosse capaz de por no ar”, acredita Bucci.

Sendo objetiva e fazendo bom jornalismo, a Voz também ajudaria a combater, de forma mais eficaz, o monopólio da mídia comercial – outro argumento dos favoráveis a obrigação de transmissão do programa.

Eugênio Bucci ainda enumera mais um motivo para a não obrigatoriedade da Voz do Brasil: “A comunicação pública não é nem poderia ser impositiva. A comunicação pública deve ser pautada por aquilo que o cidadão tem o direito de saber, e não por aquilo que as autoridades têm o interesse (eleitoral) em alardear”.


Veja mais:
Amordaçada pela obrigatoriedade, artigo de Eugênio Bucci para o Observatório da Imprensa

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